sexta-feira, 21 de junho de 2019

Garota desconstruída

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS 

Cada vez mais me sinto menos a garota desbocada.  Cada vez mais sinto menos vontade de gritar para ser ouvida. Cada vez mais me sinto eu mesma,  independente do que esta merda signifique. 

E falando em merda , cada vez sinto menos necessidade de dizer merda ou qualquer outra palavra escatológica para ser notada. Se não sou ouvida , prefiro sair para outro lugar qualquer , talvez um bem bonito dentro de mim mesma , onde possa apenas sorrir calmamente sem temer nenhum tipo de julgamento.

Cada vez mais os julgamentos penetram a minha alma com menos ferocidade.  Limpo o filete de sangue com a blusa mesmo ou o avental enquanto mexo numa panela. 

Cada vez mais sou menos os meus alters egos. A minha extroversão se suaviza. Continuo sendo calorosa , mas qualquer coisa em minha mente clama por silêncio. Cada vez mais adoro a companhia dos meus pensamentos. 

Talvez eu me sinta eu mesma naquele ínfimo instante entre a última fala da peça teatral e o calar dos aplausos. Quando as palmas batem, meu sorriso se acanha, um leve rubor na alma. Flexiono pouco o corpo para agradecer. Não por esnobismo.  Caricaturas não cabem no que eu tenho de mais sincero. E no pequeno gesto sem jeito, me encontro sozinha e um pouco triste por não suportar a alegria a que me proponho. 

Mas este momento de plenitude desajeitada dura pouco. Logo depois vem o sorriso largo, as mãos vão à boca buscar beijos que lanço no ar. Sou mais uma vez alter ego cheio de brilho e a mim resta  apenas repousar no escuro até o próximo instante. 






Sílvia Marques é doutora em Comunicação e Semiótica , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve regularmente no blog Caminhos da Psicanálise. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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sábado, 10 de novembro de 2018

A saga da cama japonesa

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS 

Ás vezes , para nos sentirmos livres e nós mesmos , basta comprarmos uma cama japonesa. 

Sim, uma cama pode ser mais do que um carro ou até mesmo uma casa inteira se você olhar a questão com olhos semióticos.


A cama japonesa sussurra com palavras roucas que a intimidade dança nua no centro da minha vida. A cama japonesa sussurra com palavras loucas que eu também danço nua pela minha vida de itinerante.

Hoje , posso  te assar uma torta de maçã com canela. Amanhã , podemos sair por aí sem rumo , um cigarro imaginário queimando no fundo de nossas almas.

A taça de nossa imaginação transborda. E basta alguns lençóis e uma luminária extravagante para completarmos o mundo que desenhamos à nossa volta. 

A taça de nossa imaginação entorna e em torno de nós derrama suas possibilidades. E basta um pouco de cetim e algumas pérolas falsas para encapar este mesmo mundo que brilha sob a tépida luz da luminária, ao lado da cama japonesa , ao lado desta cama que desnuda e rasga a nossa intimidade em milhares de pétalas imaginárias. 





Sílvia Marques é psicanalista, professora, escritora, atriz e doutora em Comunicação e Semiótica. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.


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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Garota desbocada

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS 



Um dia desses , a minha memória ficou com um gosto meio pegajoso e caseiro de manteiga que passou horas fora da geladeira.

Eu a vejo se espalhando pelo pão e sinto o sabor morno e meio melancólico dos momentos felizes.

Toda alegria me parece um pouco melancólica , o gesto final de um último ato teatral bom.

Todo gosto de manteiga vem antes das tempestades.

Tempestades não. Não gosto desta metáfora. Amo tempestades. Adoro contemplá-las pela janela da alma. Acho que sou a pior delas. A mais ruidosa. A que tem mais cheiro de nostalgia. A que traz o mais colorido dos arco-iris quando finalmente se cansa de derramar.

Há alguns dias, tive uma ideia que me pareceu genial. Mas não a escrevi. E como tudo que não é feito na hora que deve ser feito , ela se misturou nesta maçaroca de manteiga e virou um vislumbre qualquer de algo brilhante e banal ao mesmo tempo. Café requentado após uma taça de espumante. 

Acho que era algo sobre como me tornei a Garota desbocada. Não existe um "eu sou". O que existe é o que eu decido ser. Toda vida é uma obra de ficção.

E num dia qualquer , ou melhor dizendo, em uma sequência caótica de dias quaisquer , saí pela chuva , blusa colada à alma , sentimento de nada a perder. Foi entre uma chuvarada e um beijo roubado , entre uma piada inadequada e um rubor qualquer , entre um desejo de ir e outro de ficar , que decidi ser a Garota desbocada.

Intuo que como tudo que escrevo, ela é mais uma obra de uma falsária. Não me importo. Gosto desta figura atrevida que surgiu no meio da mais escandalosa das tempestades. Que me sorriu com um sorriso sexy de canto de boca, sussurrando que eu poderia ser quem eu quisesse. Saí com ela pela chuva das possibilidades múltiplas , sem medo de me molhar , sem medo de pirar diante do caos. 

Virei este mosaico de lembranças tépidas e desejos inconfessáveis que confesso para mim e para quem eu quiser com a alma nua diante de um espelho imaginário. 

Gosto de me vestir com ideias e depois tirar cada uma delas enquanto olhos curiosos olham para mim, esperando ávidos pelo próximo insight.

Virei este mosaico de personagens que dançam languidamente por minha alma. Passam por mim todos com batom vermelho, trocando seus figurinos , fazendo bagunça no meu palco.

E ao final de mais uma apresentação, me sento no proscênio escuro e me sinto um pouco cansada. Toco suavemente as pérolas falsas do meu gigantesco colar imaginário.  


Sílvia Marques é doutora em Comunicação e Semiótica , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve na Obvious e Fãs da Psicanálise, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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sexta-feira, 15 de junho de 2018

Mais uma colher de lascívia , por favor

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS 


Acho que desde sempre tive este gosto estranho pelos abismos. Gosto de flertar com eles. Olhar de esguelha. Sorrisinho de canto de boca. Estou passando por aqui, por acaso , digo para mim mesma , cortando em dois ou em três uma possível culpa. 

Ando de um lado para o outro. Espero alguém? Procuro algo? Revisito as milhares de gavetas e prateleiras caóticas da memória antes de dar mais uma piscadinha para o tal abismo.

Acho que desde sempre tive este faro para as pequenas mentiras cotidianas. Sinto cheiro de qualquer uma delas como quem inala o odor de um bolo quente , recém-saído do forno. 

A massa fumegante e fofinha se desmancha pela boca , mas o sorrisinho torto continua ali. 

Existe algo de intrigante em qualquer nota destoante.

Acho que desde sempre tive esta sintonia com o caos , com o acaso, com o estar no local errado , justamente na pior hora possível.

Acho que desde sempre quis estar no local errado, perder o último trem que vai para casa , vagar pelos perigos da cidade , esta cidade cheia de monstros imaginários iluminados por neon roxo, que vagam por aí me convidando para apenas mais uma desviada de rota , para apenas mais uma mentirinha sem importância. 

Mais do que o abismo e a mentira , sinto-me seduzida pela transgressão, por fazer as coisas viradas , do jeito contraindicado no manual de instruções. Não há nada mais chato do que manuais e livros de receita. Jogo os temperos na panela a meu bel prazer. Nunca há o suficiente daquilo que nos dá prazer. Ok.Ok.Ok. Vai ser a última colher de lascívia. Prometo para mim mesma, mas sou uma falsária como todo poeta.  












































































































Sílvia Marques é doutora em Comunicação e Semiótica , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve na Obvious e Fãs da Psicanálise, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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sexta-feira, 13 de abril de 2018

Um brinde à insensatez

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Gosto quando beija as minhas loucuras. Deixo de sentir vergonha de ser eu mesma. Gosto quando olha para mim e bebe da minha insensatez como o mais doce dos vinhos , como o mais idílico dos momentos.

Gente metida a intelectual como nós curte racionalizar , pôr tudo bonitinho num esquema filosófico falsamente caótico. Mas no fundo, na hora do vamos ver, quando as emoções e ressentimentos saem em disparada pelos corredores da memória , não esperamos pela sensatez de quem amamos. Esperamos uma adesão total , insana , ardente. 

"Calma , amor. Acabou. Era apenas um sonho mau". E ainda com lágrimas deslizando pela pele da alma, a gente se deixa ficar nos braços de quem se encanta por tudo aquilo que existe de mais feio em nós. 

No minuto seguinte , volto a ser feliz. Coloco meu decote mais descuidado para que me olhe sem pudor. E saio pelo mundo sem medo de nada, com o gosto do teu olhar tatuado nos meus gestos mais banais.







































































































Sílvia Marques é professora doutora , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve na Obvious e Fãs da Psicanálise, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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sexta-feira, 16 de março de 2018

Quando eu descobri que era gato e não cachorro

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Não. Não foi num dia específico que descobri que era gato e não cachorro. Foi numa fase. Algo difuso como as mamas vistas por meio de um ultrassom. 

Não foi de repente , estilo um susto que a gente leva , um insight , um salto no escuro, um sexo brutal com as saias levantadas e as calcinhas abaixadas: "Nossa! Já acabou?" pronunciado no meio de um sorriso de canto de boca , meio sarcástico, meio perverso. Meio querendo algo inteiro.

Não. Foi estilo aquela carícia morna e boba descendo do pescoço até o cóccix. Estilo aquela risada que vai se intensificando quando nos embriagamos com poesia e desatino. Sim, sou um gato. Aos poucos , fui percebendo que tinha unhas afiadas e um jeito manhoso de amar. Posso querer você e te repelir em doses quase idênticas. Gosto da tranquilidade dos dias iguais. Prezo rotinas. Prezo que me prenda com mãos brandas. Mas preciso das laterais para caminhar sozinha , no meu ritmo. Tenho uma canção francesa e melancólica tocando em meu coração.

Se te unho de leve quando tenta reter-me em seus braços , não é por falta de amor. Lá no fundo , tenho muito medo de qualquer coisa. De prender a respiração, de perder aquilo que acho mais caro em mim.  Talvez , das cócegas nos bares escuros da cidade, talvez das lembranças ternas entre os lençóis amarfanhados. 

Sim, sou gato quando me afasto para não te morder e apenas te firo com meu tédio lânguido. Quando amo a mim como amo a você. 



































































































Sílvia Marques é professora doutora , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve na Obvious e Fãs da Psicanálise, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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terça-feira, 13 de março de 2018

Carta de despedida à minha analista

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando precisamos mais de uma sessão de cinema do que deitar no divã. Quando o bocejo do analista deixa de nos ferir, pois a gente se toca de que as nossas dores são como tapioca recheada com Nutella. Saborosas, mais banais. 

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando tomar uma cerveja com os amigos deixa de ser evento marcado com um mês de antecedência e passa a ser rotina. Quando podemos ficar lado a lado sem dizer nada. Quando respeitamos o afastamento do outro ou quando somos nós a nos afastar. Algumas coisas devem ser deixadas de lado mesmo, colocadas na sacola de roupas usadas para doar. 

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando sentimos que nem tudo o que os outros dizem é para nos ferir.  E mesmo quando é, a tristeza pelas palavras atravessadas se torna página virada em nosso folhetim na esquina seguinte.

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando desistimos de ensinar para quem não quer aprender. Quando a gente percebe que o outro ainda não está pronto para abrir mão do próprio sofrimento. Que algumas cicatrizes na pele da alma são inevitáveis e incuráveis, mas sem elas não seríamos nós mesmos. Quando a gente pode falar do passado sem mágoas nem medo. 

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando o sexo não precisa ser tão louco para ser gostoso. Que a gente quer escolher a posição mais confortável e deixar fluir. Que D.R só em último caso e que rir da gente mesmo é bem mais divertido do que zombar dos outros.

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando paramos de dar corda para a neurose alheia e perdemos a vontade de reclamar de tudo a todo momento. Quando passamos a nos colocar em primeiro lugar , mas entendemos que o mundo não rebola com seus sete véus  ao redor do nosso lindo umbiguinho. 

A gente percebe que a psicanálise chegou num ponto bem elevado quando o sentido das coisas deixa de ser pergunta importante. Quando a gente olha para o caos com olhos de quem vê uma obra de arte.
















































































Sílvia Marques é professora doutora , escritora, atriz e psicanalista lacaniana. Escreve na Obvious e Fãs da Psicanálise, idealizadora da pós em Cinema do Complexo FMU. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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